5 de out. de 2009

Saiu para comprar cigarro...

Tal qual uma viúva cheia de pudores eu chorei e te enterrei naquela madrugada chuvosa de segunda-feira. Te enterrei vivinho da Silva depois que você saiu, surrealmente adolescente para ir a um show com o bando de estúpidos, bêbados e infelizes a quem você chamava de amigos e não voltou nunca mais. Eu chorei sua morte como uma criança chora a morte do primeiro pintinho que ganhou do Papai depois do domingo feliz na feira dos bichos. Uma morte ainda mais sofrida porque não houve. Eu te enterrei sem ter um defunto gelado. A morte para a vida que é sempre mais cruel do que a morte para morte. Eu te enterrei de perto porque eu queria mesmo sofrer aquilo como se nunca mais eu fosse te ver. Como se nosso último encontro fosse aquele: eu agarrada num terço e com os olhos inchados. E você cheio de vida pulando que nem um macaco e beijando outra boca que não era a minha porque a minha estava seca e grudada de desidratação do amor. Tal qual uma viúva cheia de pudores, eu segurei meu terço mas te amaldiçoei quando eu a conheci tão jovial, tão pretensiosa, tão linda, com o cabelo tão liso e com um apelido tão delicadinho. Eu te amaldiçoei de inveja, de raiva, de orgulho ferido, de dor de corno, de amor mal resolvido. Eu te enterrei dentro do meu quarto, embaixo do meu colchão que era para ter absoluta certeza de que você não ressuscitaria e para bem de perto acompanhar seu processo de decomposição quando se arrependesse de ter, naquele show, ido em busca do que não se tinha que buscar porque agente tinha um trato de paixão eterna. Eu te amaldiçoei porque quando eu a vi tão tão eu soube que você tinha encontrado o amor da sua vida mesmo você sendo o amor da minha vida. Daquela minha vida, daquela circunstância. Eu chorei muitos nós na garganta inflamada de dor e de saudade. Eu tive até amigdalite. Eu preferia que você tivesse morrido mesmo porque assim eu ficaria o resto do meu resto achando que a gente era para sempre e que você me amava como quando me dizia que me amava, com os olhos cheios de um brilho estrelado de perspectivas e sonhos do primeiro ano de faculdade, um brilho que me incomodava porque ainda havia muito o que se viver e muito para se começar a entender.
Você era o meu amor. Aquele meu amor tão companheiro. Mas você, naquele domingo de finados, saiu para ir a um show e não voltou nunca mais. Assim como nos contos em que o cara saiu para comprar cigarros e veio, depois de 20 anos de cabeça baixa e arrependido, perguntar se tinha esquecido o isqueiro. Só que você, nem para isso voltou.

4 Comentários:

Anônimo disse...

Um melhor que o outro sempre!
ADORO!

beijos
carol

5 de outubro de 2009 às 15:01
Anônimo disse...

Oie...
Amores assim são francamente desnecessários...Mas, são nossas experiências, que depois podemos rir por sentirmos tão idiotas..rsrsrsrsrsrsrs
Ainda que eu saiba quem é , ele realmente não te merecia...Era infantil, e irresistivelmente egóico..rsrsrs...
Melhor ainda, o fato de ser fumante..rsrsrsrs....Foi-se como uma fumaça......
Beijocas . Abraço apertado de alma..

5 de outubro de 2009 às 16:47
Unknown disse...

Demais!!!

5 de outubro de 2009 às 17:50
Carla Martins disse...

Demais!!!

6 de outubro de 2009 às 11:26